Recebi estes dias a notícia de que um amigo, colega de trabalho, está gravemente doente e se vê diante da situação de encarar a iminência da própria morte. Difícil e inevitável situação que se impõe a todos nós. Para alguns, para ele, agora, de modo mais palpável e doloroso do que para o resto de nós. Mas a iminência de nossa própria morte está aí. A nossa frente. Em nosso caminho. Qualquer um com mais de 18 anos já iniciou seu declínio biológico. Lento no início, mas já declínio. Decair, então, é a condição básica de nossa existência adulta, e a morte é o ponto final inevitável deste declínio. Sabemos disso, mas há algo em nós que simplesmente nos impossibilita de conceber a nossa própria morte.
Quando penso abstratamente sobre a morte e a ela relaciono seu contrário, o nascimento, e olho para o que a combinação destes dois fenômenos (nascimento-morte) proporciona para a vida, eu entendo, aceito e vejo toda a beleza da morte. Eu a compreendo ao lhe dar uma função que transcende a minha própria existência e a relaciona com a vida em sua totalidade. Nascimento e morte são o que distingue a existência enquanto vida, ativa e autônoma, da existência inanimada, passiva, de mera disponibilidade a forças inexoráveis, que caracteriza os seres inertes. Se vida é atividade, é ação, é resistência ao inexorável, é mudança, é autonomia, então a morte é o que garante esta renovação, adaptação, movimento. Não há nascimento sem morte. Eles até se confundem às vezes, como na reprodução assexuada de seres unicelulares. O exato momento do nascimento das células filhas é o exato momento da morte da célula mãe. Não haveria renovação sem morte e nascimento. Mas não há chegada sem partida. E o novo chega, o novo modifica, o novo altera, adapta e conquista posições antes inatingíveis. O novo também nos inspira cultivo, cuidados, carinho. E quando chega o momento, cedemos nosso lugar ao novo. Abrimo-lhe passagem. Nos retiramos. Não é isso a morte? Não há dúvida de que qualquer um que reconheça beleza na vida, reconhecerá também beleza na morte. Mas esta compreensão e beleza são direcionadas apenas à morte intransitiva, abstrata, sem objeto, pura forma. A morte instanciada, exemplificada, com objeto e substância, esta dói. Dói tanto que a nossa própria morte é simplesmente inconcebível a nós mesmos. Quando penso no que nos faz sofrer vejo que qualquer sofrimento se liga a uma restrição. E qual restrição maior do que a restrição de ser? A morte em primeira pessoa é o puro sofrimento, a máxima restrição, inconcebível. Apenas dor. Mesmo que meu próprio declínio adulto seja meu companheiro já há muitos anos, eu só consigo imaginar a dor de meu amigo nestes difíceis momentos. Mas o que posso lhe oferecer? Qual é o cuidado e o carinho que poderiam amenizar a dor em sua fonte mais pura? Bem, em primeiro lugar eu torço com força por você, meu amigo, e sua luta, e lhe envio meus melhores pensamentos e sentimentos! Força! Juntamente com o desejo e a esperança de que ela não venha, o máximo que posso lhe dar, e lhe dou de todo coração, é a imagem da beleza da morte intransitiva. Sendo você, meu amigo, um professor, um dos melhores que tive a sorte de conhecer, você vem cultivando e cuidando do novo com carinho e destreza. E isto já coloca sua vida no melhor lugar em que ela poderia estar! Sua vida tem, como a de poucos, propiciado florescimento da vida! Bravo!
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Blog do Inútil
e do imprestável! Ofensas? Muito ao contrário. Os maiores elogios. Afinal, para que servem a beleza, o bem e a felicidade? Arquivos
March 2023
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