Eu sei que muitas vezes julgamos mal o que nos fará felizes ou não. Por exemplo, suponha que eu ganhe um bom dinheiro em um sorteio e na dúvida entre gastá-lo passando férias na Europa ou comprando um carro novo, eu decida pelo carro. Aí, depois de um mês, eu percebo que a única felicidade que o carro me traz é que, sozinho, ao seu volante e preso ao trânsito, passo horas e horas sonhando com a Europa… Neste caso, eu apenas decidi errado sobre o que me faria mais feliz. Mas minha pergunta é outra. Minha pergunta é sobre se é ou não é possível eu ser feliz sem ter ciência de minha própria felicidade, ou ser miseravelmente infeliz e, ao mesmo tempo, acreditar, sentir que sou feliz.
Imagine a seguinte situação: Bento e Capitu conheceram-se, noivaram e casaram. Eles sempre se deram bem, viveram uma vida calma, repleta de realizações pessoais e profissionais, com saúde e estabilidade econômica. Nunca brigaram. Mesmo com o temperamento um tanto controlador de Bento, comum para os homens de sua geração, ele nunca percebeu qualquer motivo para sequer sentir ciúmes de Capitu. Depois de mais de 55 anos de casados, Capitu morre dormindo, sem sofrimentos. Ainda um pouco abalado, mas já resignado, afinal eles tiveram muitos anos muito bons, Bento encontra um baú repleto de cartas que revelam que Capitu, durante mais de 55 anos, manteve um caso extraconjugal com Escobar, o melhor amigo de Bento. As cartas revelam detalhes íntimos dos amantes, e também que todo o amor e afeição que Bento sinceramente julgava receber tanto de sua esposa Capitu quanto de seu amigo Escobar eram apenas uma fria estratégia de ambos para que continuassem próximos um do outro e mantivessem o caso ativo. O golpe foi tão duro que o coração de Bento não aguentou. Ele morreu naquele mesmo dia, não muitas horas após a descoberta dos fatos. Pensemos um pouco na situação de Bento. Ele viveu 80 anos realizado, tendo a sensação da mais serena felicidade. No último dia de sua vida ele obtém notícias que o informam de que as bases segundo as quais ele se julgava feliz eram incorretas. Diante destas novas informações, todos os momentos de sua vida que ele julgava terem sido momentos felizes, perderam o caráter de felicidade. O amor de sua esposa e a afeição de seu amigo, que por anos nutriram seu bem estar, não eram amor nem afeição, mas apenas comportamento interessado e calculado. Bento viveu 80 anos tendo a sensação de ser feliz e algumas horas sentindo-se o mais infeliz dos mortais. Bem, acho que você já sabe qual é a pergunta que vou fazer agora. Esta é a pergunta mais difícil sobre a qual eu já pensei. E não consigo imaginar nenhuma outra mais difícil do que esta. A pergunta é: Afinal, Bento teve ou não uma vida feliz? Eu tenho uma resposta para esta pergunta, mas não vou dizê-la porque eu não sei justificá-la. Minha resposta não é, por isso, filosófica, é apenas o que eu acho. Mas o que eu acho sobre a felicidade de Bento pouco importa. O importante é o que você acha!
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Blog do Inútil
e do imprestável! Ofensas? Muito ao contrário. Os maiores elogios. Afinal, para que servem a beleza, o bem e a felicidade? Arquivos
March 2023
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